Projeto construído por comunidades cria marco legal para salvaguardar principais serras e nascentes do município
Publicado em 22 de agosto de 2025 em Brasil de Fato.
Texto de Mateus Britto

Comunidades de Itarantim, no médio sudoeste da Bahia, celebraram uma vitória histórica em defesa do meio ambiente e da soberania popular. Em uma sessão na Câmara de Vereadores no dia 12 marcada pela ampla participação de moradores, organizações e movimentos sociais, foi aprovado por unanimidade o projeto de lei que visa proteger as serras e nascentes do município do avanço da mineração e de outras práticas degradantes.
A campanha para a Lei de Iniciativa Popular Vamos salvar as serras e as águas, que transforma as serras do município em Patrimônio Natural e Paisagístico, foi lançada no dia 10 de maio. A iniciativa foi organizada pela Comissão Popular de Meio Ambiente de Itarantim, uma coalizão de comunidades rurais e urbanas em parceria com o Centro de Estudos e Ação Social (Ceas), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e a Articulação Rio Pardo Vivo e Corrente BA/MG.
A mobilização conseguiu cerca de 1.500 assinaturas em pouco mais de três meses, debatendo o problema mineral no município por meio de rádios, escolas, seminários, manifestações públicas e diálogo com a população. A proposta segue agora para a sanção do prefeito.
Água e território x mineração
Itarantim está situada entre o Vale do Rio Pardo e o Rio Jequitinhonha, no sudoeste da Bahia. Localizada no bioma Mata Atlântica, o município possui cadeias de serras que concentram nascentes que alimentam esses rios e garantem a produção e o consumo de milhares de famílias no campo e na cidade.
De acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), existem 173 requerimentos de pesquisa mineral em Itarantim, o que coloca mais da metade de seu território no raio da especulação de mineradoras brasileiras e estrangeiras. A busca por minerais estratégicos, como nióbio, lítio e terras raras, no centro da discussão para a chamada transição energética, intensifica ainda mais o conflito.

As serras de Itarantim são a peça central da disputa. Elas são, nas palavras do professor Joaci Cunha, do Ceas, as “caixas d’água” do município. Nelas estão localizadas as nascentes que fornecem água para a população rural e urbana, matam a sede dos animais e recarregam os rios da região.
“O avanço da mineração sobre essas áreas de recarga hídrica seria desastroso para a economia do município, além de uma ameaça à soberania hídrica e alimentar de Itarantim”, destaca o professor.
Segundo Cunha, a cidade se destaca por ser um polo de agricultura e pecuária na região, com estimativas de criação de mais de 160 mil cabeças de gado e produção anual de 45 milhões de litros de leite, além da forte produção de cana-de-açúcar e mandioca. Os produtos da agricultura familiar abastecem a população itarantiense e são comercializados com os municípios vizinhos.
Para defender os recursos hídricos que garantem essa produção, comunidades vêm adotando ações de defesa do território e práticas agroecológicas para garantir e diversificar a produção. As ações incluem o cercamento de nascentes, produção de mudas, implantação de Sistemas Agroflorestais e espaços de formação em manejo agroecológico, especialmente sobre o cacau, cultura que vem ganhando cada vez mais adeptos no município a partir da parceria das comunidades com a Cooperativa dos Assentados, Acampados e Quilombolas do Sul da Bahia (Coopceta).
Deflagração do conflito
Segundo a Comissão Popular de Meio Ambiente de Itarantim, o processo de mobilização se deu após denúncias de que uma empresa estaria realizando trabalho de pesquisa mineral em áreas não consentidas pelos proprietários. Para debater a situação, as comunidades organizaram uma audiência pública na Câmara de Vereadores em agosto de 2024.
Um dia antes da audiência, o conflito veio a público quando a comunidade de Água Vermelha organizou um piquete e expulsou uma empresa de pesquisa mineral de seu território. Como resultado da ação, outras comunidades seguiram o mesmo caminho e negaram autorização para a prospecção em suas áreas, como na comunidade Mandim de Cima.
A partir dessa audiência e do enfrentamento, as comunidades formaram a Comissão Popular de Meio Ambiente do município, uma organização que reúne representações de vários setores da sociedade itarantiense no campo e na cidade. Esta comissão iniciou o debate da construção da Lei de Iniciativa Popular Vamos Salvar as Serras e as Águas, apresentada para a sociedade no dia 10 de maio.
Em apenas um mês, a Comissão Popular coletou mais de mil assinaturas ao projeto, protocolando-o na Câmara no dia 12 de junho, após uma manifestação que culminou numa Audiência Pública.
Em linhas gerais, o projeto de lei protege as serras do município contra a mineração e outras atividades predatórias. A delimitação de seis zonas de serra como patrimônio natural salvaguarda as nascentes e cursos de água que garantem a segurança hídrica da população e sustentam a agricultura familiar. Com a proibição de desmatamento, queimadas e uso de agrotóxicos nocivos, o projeto assegura a conservação ambiental, a qualidade de vida da população urbana e rural e a base econômica do município.
Organização popular como saída
A Comissão Popular afirma que o exemplo de Itarantim está sendo discutido em toda a região. Nos dias 1 e 2 de agosto, o município recebeu representantes de paróquias e organizações populares do sul e sudoeste do estado no Seminário Ecologia Integral e Mineração, construído com o apoio da Arquidiocese de Vitória da Conquista e a participação da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O seminário discutiu o cenário da mineração nas regiões e propostas de articulação para a luta pela soberania popular nas comunidades assediadas e afetadas pela atividade mineral.
Para Fabiano Paixão, da Coordenação do MAM na Bahia, “sem o processo de organização popular e de articulação entre os territórios, o resultado da votação na Câmara poderia ser outro.” O militante afirma que o exemplo de Itarantim “inspira outras comunidades em um estado que passa por um intenso processo de especulação mineral”.
A aprovação da lei foi celebrada com entusiasmo e emoção pelos participantes. Para Robson Dantas, secretário de Meio Ambiente do município, com a aprovação da lei “a gente tem um instrumento que é um sonho de todos aqueles que juntos formamos a política municipal de meio ambiente e um sonho das comunidades, da população de Itarantim.”

Aldenice Barros, da Comissão Popular de Meio Ambiente, celebrou o processo de mobilização e fez um apelo para o poder público e para a população.
“Se não cuidarmos do nosso bem maior [a água] o que será de nós? O que será da agricultura familiar? O que será da nossa água para beber e para se alimentar?”, questiona.
Já o presidente da Câmara de Vereadores, Dudu dos Tutas (PSD), ressaltou a unanimidade do corpo legislativo e a agilidade do processo.
“Foi de forma muito rápida. Eu quero parabenizar os colegas, parabenizar as comissões, porque assim que foi colocada a necessidade de votar logo o projeto, ninguém se manifestou contrário.”
A expectativa é que o projeto seja sancionado ainda este mês e as medidas de proteção comecem a ser discutidas entre a Comissão Popular e os órgãos ambientais do município.
Editado por: Lorena Andrade